No
dia 4 de maio de 1834, quase um mês antes da eclosão de uma revolta
violenta em Cuiabá, cerca de 200 pessoas se reuniram na praça matriz da
cidade para protestar contra a nomeação de um funcionário pelo governo
(resumidamente, por ser ele português e por ser acusado de corrupção e
incompetência, sendo a função do cargo cuidar do dinheiro público).
Até aí, nada de muito surpreendente, apesar de manifestações desse tipo
serem pouco frequentes até então. O que surpreende é o grito de
protesto que foi entoado na praça: "Viva o Artigo 112 do Código Criminal!", gritavam os manifestantes. Quando li isso fiquei intrigado. Como assim manifestantes dão vivas a um artigo do Código Criminal? Como assim??? Bom, eis que eu vou para o Código Criminal, que acabava de ser aprovado naquele momento, e vejo que raios é esse artigo 112: "Título 4 - Dos crimes contra a segurança interna do Império, e pública tranquilidade. Capítulo 3 - Sedição [um tipo de crime político maior que o motim e menor que a rebelião]
Artigo 112 - Não se julgará sedição o ajuntamento do povo desarmado, em
ordem, para o fim de representar as injustiças e vexações, e o mau
procedimento dos empregados públicos" Era a primeira vez na
história do Brasil que uma lei dizia claramente que não era crime ocupar
as ruas para se manifestar. O que aquelas pessoas estavam fazendo era
afirmar seu direito legal a estar ali, desde que "em ordem". Mas a coisa
não parou por aí e em menos de um mês o tal funcionário e dezenas de
outros figurões de Cuiabá estariam mortos e seus comércios saqueados e
destruídos. A manifestação não ficou "em ordem" e virou revolta
violenta. Muitos dos que deram vivas ao artigo 112 acabaram
figurando entre as primeiras pessoas a serem julgadas e condenadas pelos
demais artigos do título 4 do código - o dos crimes políticos. Um
julgamento cheio de irregularidades e ao qual voltarei em outro momento.
Em seguida seria a vez dos rebeldes da Cabanagem, da guerra dos
Farrapos, da Sabinada, da Balaiada, etc. Só na Cabanagem fala-se em 40
mil mortos e é comprovado que cerca de 2 mil morreram apenas nos
navios-prisão, de fome, sede, doença, pancada, enquanto aguardavam
julgamento. Eles sequer tinham uma acusação formalizada, eram presos
pelo "crime" de "ser cabano", ou seja, de ter traços indígenas e ser
pobre. Duvido que depois da década de 1840 outro ajuntamento de
populares gritasse na rua qualquer saudação ao código criminal. O
artigo 112 só parece libertário antes da aplicação do código, longe da
realidade concreta, da exceção como regra.
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