segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

História Concisa de Nós Dois, Capítulo 2

Hoje, 12 de dezembro de 2011, aniversário da Carina, dou prosseguimento a meu presente de 3 anos de casamento.
Para ver os demais capítulos clique nos links: Prefácio e Capítulo 1 , Capítulo 3
André.


Capítulo 2: Pelos bares de São Paulo I
Acho que se um dia fosse escrever uma história do inseparável grupo de amigos formado nos últimos anos do século XX em torno da ETE Basilides de Godoy não haveria o que pensar quanto ao critério de periodização. São os bares que marcam as épocas das nossas vidas, pelo menos desde o momento em que nossos encontros deixaram de ser nas praças (P1, P2, PG, PS...), ou seja, desde o bar em frente ao Eco, ou desde o Bar da Gostosa, o Bar do China, o primeiro e o segundo Bar Azul da Lapa, o Bar da Suely, o Bar do Talibã, o “Bar 24 horas que fecha às 4”, até os contemporâneos Bar do Ghassan, Bar do Pezão e Bar do Simpatia. Como estou num período Fazzoty/Berola da vida talvez esteja desatualizado, mas isso tudo é só pra dizer que se eu faço parte de qualquer história que seja, essa história é ambientada em grande medida nos bares. Como isso também é verdadeiro para a Carina, desde antes de nos encontrarmos, é evidente onde fomos parar já durante a ocupação.
Era 12 de junho de 2007, portanto Dia dos Namorados. Como sempre, nos encontramos na ocupação, onde ficamos sabendo que naquela noite haveria uma tal “festa dos solteiros”. Éramos solteiros, tanto eu quanto ela ficávamos com outras pessoas entre um e outro encontro casual (ou pretensamente casual) nas assembleias e festas da ocupação. Mas uma “festa dos solteiros” não nos pareceu o melhor lugar pra passar aquela noite. Saímos da reitoria e fomos para uma instituição uspiana que deveria ter sido tombada como Patrimônio Histórico da Humanidade enquanto era tempo: o Bar do Pedrão, oficialmente San Raphael Snooker Bar.
Bar do Pedrão, logo depois de seu fechamento
Interior do Bar do Pedrão, tal como geralmente se apresentava às nossas consciências
Que alguns amigos me perdoem, mas quem estudou história na USP na década de 2000 e não frequentou o Bar do Pedrão bom sujeito não é. Aquele era o nosso espaço de sociabilidade (ou, como já disse o companheiro Marcus Baccega, nosso locus de deliberação teórico-metodológica e também político-filosófica). Ali participei de conferências informais sobre temas que iam da adequação do conceito de luta de classes no Brasil colonial à transição da sinuca-arte para a sinuca-de-resultados; do colapso do capital iniciado em 17 de março de 2006 à complexa engenharia envolvida no penteado de Nicolau Sevcenko; dos carros incendiados nos subúrbios de Paris à adequação do rótulo “pop-rock-universitário” para a banda Los Hermanos. Discutíamos se o determinismo histórico não era uma forma adequada de compreender a realidade, dada a experiência do Corinthians na Libertadores. Aliás, foi lá que vimos Rafael Sóbis acabando com o São Paulo na final de 2006. Também foi depois de uma noite no Bar do Pedrão que literalmente perdi meu diploma de historiador - e até hoje não peguei minha segunda via. Foi lá que surgiu a Esquerda Butequeira, foi lá que fizemos a festa da vitória do Último Foco de Resistência.
Claro que não foram apenas bons momentos: foi lá que tive a notícia, com a desgraça do Datena naquela TV horrível do Pedrão, da batalha campal de 2009. Eu e alguns amigos tínhamos estado na manifestação, ela já estava se dispersando na entrada do campus, então fomos para o Pedrão. Não imaginávamos que os que seguiram dentro da Cidade Universitária seriam covardemente atacados, menos ainda que as atividades acadêmicas no nosso prédio seriam interrompidas por bombas, gás e tiros. Vimos aquilo na TV, acertamos com o Pedrão e corremos para o prédio da História.
Entre debates historiográficos e conversas triviais, entre combates e confraternizações, entre vitórias e derrotas, o Pedrão foi espaço também para a construção de uma relação de amor. Na noite de 12 de junho de 2007 chegamos como duas pessoas que gostavam de ficar de vez em quando e saímos com uma ligação muito mais intensa.
O que mudou naquela noite? Conversamos no Pedrão por muitas horas, ou melhor, por muitas cervejas, unidade de medida certamente mais adequada à situação. Descobrimos uma identidade incrível, valores comuns, características que nos completavam. Foi uma conversa memorável. É evidente que tudo isso é um mito de origem, mas seus fundamentos são reais e a história posterior o vem demonstrar: nunca tivemos conflitos motivados por choques de valores ou por decepções com as pessoas que descobrimos um no outro naquela ocasião. Sinceramente acredito que se tivéssemos nos conhecido num momento anterior ou em outras circunstâncias teríamos nos tornado amigos inseparáveis e a partir daí provavelmente nada mais aconteceria. Sem dúvida não passaríamos indiferentes pela vida um do outro, mas o que importa é que felizmente a Carina teve a iniciativa que eu certamente nunca teria: me beijou na festa da ocupação antes que nos tornássemos amigos.
Não temos dúvida, portanto, que foi naquela noite que a mágica aconteceu. Nos apaixonamos, e não voltamos pra casa, nem pra ocupação... Nas semanas seguintes nossos encontros passaram a ter um caráter diferente e foram embalados por uma musica com o sugestivo título de Ultimo Romance - se temos uma “nossa musica” deve ser esta.
Fiquei uns dois dias na casa dela enquanto aquelas que viriam a ser minha sogra e minha cunhada viajavam, pouco tempo depois voltei pra lá pra me apresentar como namorado da Carina. Também na minha casa tivemos um almoço que oficializou o novo status da relação. Mas a ocasião em que assumimos para nós mesmos nosso namoro não poderia deixar de ocorrer num bar – o Azul da Lapa. Foi quase uma Assembleia Constituinte da nossa relação. Reconhecemos que aquilo era um namoro, definimos regras, revelamos segredos, tudo pra começar bem, pra procurar evitar brigas e decepções. Deu certo - com problemas, com pequenos conflitos, mas deu.
Quem nos conhece sabe que nossas histórias de buteco não acabam por aí. Namorávamos há apenas dois meses e fazia pouco mais de três meses desde que nos beijamos pela primeira vez quando, em outra mesa de bar, a pedi em casamento. Mas esta história fica para o próximo capítulo...

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